17/11/2010

EQM

" [...] Eu estava fascinado. A certa altura, começo a ver o filme da minha vida ao contrário. A minha vida era pequenina, eu tinha dez anos, por isso o filme não terá durado muito tempo. Comecei a ver-me regredir e lembro-me perfeitamente de ver o berço em África -eu nasci em Angola- e lembro-me de ver a paisagem africana, na fazenda Tentativa, porque o meu pai trabalhava lá. Lembro-me também de me ver no regaço da minha mãe. Mas a sensação extraordinária que eu tinha era de um bem-estar absoluto.
De repente , acordo deitado e já tinham chamado os bombeiros para me levarem e me reanimarem. Aí é que foi extremamente doloroso e desagradável, esse regresso à vida, porque eu não queria nada. Eu queria era continuar naquela dimensão onde me sentia bem. [...] A vida é tão maçadora. Éuma chatice a pessoa andar numa trabalheira desgraçada para comer e para sobreviver.
Tem algu
ma graça pensarmos que só lá para o ano 5000 é que se tem os problemas resolvidos? Depois, fala-se em Deus, uma entidade extremamente perfeita. Ora, eu não sou Deus, mas não preciso de ser. Se eu fosse a criar o ser humano e a humanidade, criava coisas muito mais perfeitas do que estas que temos. Temos de nos socorrer de um certo humor, de um certo distanciamento das coisas e deixá-las correr. A receita do Agostinho da Silva era esta: isto é um rio e nós estamos a ser levados pela corrente. Não vale a pena esbracejar e tentar lutar contra a corrente porque nos afogamos. Há é que tentar boiar. [...] "

-Fernando Dacosta a Patícia Costa Dias in 'EQM- relatos verídicos'

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