20/12/2009

visita

Foi há muitos anos. Devia ter 13 ou 14 anos e era quase Natal como hoje, chovia também tal como hoje. E, talvez por isso, é hoje (mais uma vez) que me vem à memória aquilo que de facto nunca mais esqueci, não que tivesse realmente visto, mas porque senti bem e ouvi melhor.

Nesse quase Natal, chegámos um par de dias mais cedo a casa dos meus Avós paternos ali para a zona de vinhedos do Oeste, o que era quase sempre muito bom para um mocito citadino como eu: estar em espaços amplos a perder de vista de verde, árvores e riachos. Era seguramente o único, já que os meus Pais (outros citadinos de gema) não se enquadravam muito bem na ruralidade da coisa.
Adiante, então.
O meu quarto era paredes-meias com a gigantesca cozinha da casa, onde caberia em área um modernaço T2, e na qual durante dia e noite, nessa época mais fresquinha, crepitavam sempre alguns toros de madeira; da janela do meu quarto avistava a 'minha' árvore encurvada, distante, no topo de uma colina e à qual o meu Avô me elucidava ser uma velha cerejeira, teimosamente, eu, mantinha a dúvida como se percebesse muito da matéria. Facto: nunca foi cortada, sob pedido extremoso meu, até anos mais tarde as propriedades terem passado de mão. Facto: a janela foi alargada para que o diacho da árvore me batesse bem nos olhos (coisas que só os Avós desse tempo faziam, acho). Sentia-me sempre bem ali.

Numa dessas alvoradas quase-Natal, em que o relógio de capela na sala se encarregava de acordar o mais resistente, senti que algo/alguém me tinha pegado na mão esquerda, que uns lábios de tinham colado aos meus e que um sussuro inteiramente perceptível me dizia 'vim ver-te'.
Não acordei de sonho ou sobressalto, acordei com uma estranha serenidade que recordo como se tivesse sido hoje de manhã. Senti durante muito tempo nessa manhã o toque macio de uma mão feminina, ligeiramente fria e fina, por contraste com o calor nos lábios.
Algo aconteceu ali. Não foi 'sonho de adolescente' nem visita de 'Pai Natal', até porque se repetiu na manhã seguinte. Não houve medo, não houve coisa alguma que não fosse a tal estranha serenidade que se seguiu, tanta que, recordo, não me apetecia sair daquele quarto.
Nunca 'vi' nada, senti sim, por duas vezes, a presença de alguém comigo que, seguramente, não me quereria mal mas que decerto nos conhecíamos. É algo inexplicável, tenho consciência disso. Porém, passados praticamente quarenta anos deste(s) episódio(s), sinto (sei!) que conseguiria identificar o toque dessa mão e desses lábios, se isso, na nossa existência terrena, viesse (ou venha, quiçá) a acontecer. Até agora, não. Portanto, não sei se é bom se é mau, mas como estamos em 2009 pode ser que consiga ainda ter tempo...
Facto a rematar: o que quer que tenha sido, foi tão suficiente e positivamente marcante para que não tenha nunca esquecido.

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